segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Estertores de um desertor

Juanito deixou Cuba quando mal houvera completado vinte anos. Cedo avaliara que a vida lhe reservava algo mais emocionante do que passar sete, oito horas seguidas ouvindo inflamados discursos del comandante.

No ardor da rebeldia juvenil, chegou a esboçar uma ou outra investida contra o regime de Fidel, mas sucumbiu. Passou a alimentar o sonho de viver em solo americano, como alguns de seus amigos de colégio haviam ousado tentar, com êxito. Resoluto, seguiu-lhes os passos. Fez o perigoso percurso dos desertores e migrou para os Estados Unidos, onde permaneceu clandestino por muito tempo. Conveniências políticas, porém, facilitaram-lhe a vida, tornando regular sua permanência no país de Tio Sam, Tio Patinhas e dos Três Patetas.

Trabalhou com o afinco com que um latino-americano sabe trabalhar em terras ianques. Cresceu na profissão a ponto de montar negócio próprio, que lhe proporcionou uma pequena fortuna. Entregou-se às inteiras à sedução capitalista, o que o fez gozar prazeres que jamais teria tido em seu país natal. É verdade que se desinteressou pela política insular, mas manteve-se fiel ao anticastrismo juvenil.

Casou-se com uma compatriota, Regla, também fugitiva, que lhe deu cinco hijos. Juanito fazia à esposa constantes e sinceras juras de amor; porém, nunca foi verdadeiramente capaz de se ajustar às rígidas regras do matrimônio. Quando amigos expressavam desconfiança de suas múltiplas aventuras amorosas e lhe cobravam fidelidade, ele costumava sair-se com uma frase assaz enigmática:

- Soy fidel, pero no soy castro!

Tantas foram suas desandanças que um combinado de derrame cerebral e infarto do miocárdio veio colhê-lo ainda em pleno regozijo da idade do lobo. A vida tem dessas coincidências. Ao mesmo tempo em que Juanito agonizava incógnito num quarto de uma clínica particular de Nova York, os jornais pelo mundo afora estampavam Fidel Castro esboçando sorrisos ao lado de Hugo Chávez num hospital público de Havana, fingindo convalescença.

Pressentindo o desfecho indesejado, Juanito quis porque quis que lhe arranjassem uma bandeira de seu torrão natal. Não queria partir desta para melhor (nunca compreendera por que haveria de ser melhor estar a sete palmos do chão...) sem que primeiro pudesse demonstrar todo amor que ainda nutria pela pátria que o vira nascer. Queria, enfim, poder dar um beijo num estandarte de Cuba, antes que o instante fatídico pusesse tudo a perder.

Seus cinco filhos empenharam-se na busca do objeto do derradeiro desejo do pai. Em plena era Bush, porém, estava difícil encontrar um pavilhão cubano em território americano. Foi então que apareceu uma compatriota, una cubanita mui formosa, que afirmava ter a tal bandeira tatuada nas nádegas.

Acertadas as bases contratuais, ela compareceu ao leito de Juanito no dia e na hora combinadas. Delicada e piedosamente, baixou as calçolas e deixou que ele lhe tascasse um beijo em seu belo traseiro. Foi um longo e apaixonado ósculo, naturalmente. Afinal, ele estava longe da pátria amada havia décadas.

Quando la chica levantava as calças com a dignidade de quem cumprira um dever cívico, imaginando que Juanito estivesse satisfeito, eis que este começou a suplicar-lhe:

- Ahora vira! Vira! Por favor, vira-te!

- Que pása!? – indignou-se a garota. Usted no deseaba solo besar el estandarte de Cuba?

- Si, si! – respondeu o ávido e impávido Juanito. Pero ahora – explicou – deseo también dar uno patriótico beso en la face socialista de camarada Fidel!

A garota tanto que relutou, heróica, mas resolveu ceder às súplicas do moribundo e lhe deu enfim a outra face. Foi quando Juanito deparou-se com um portentoso charuto cubano devidamente aceso. Não resistiu. Foi fulminante.

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